Daiany Fiorati, ou simplesmente Dai, é maringaense, tem 28 anos e é atriz. Concluiu o Bacharelado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e fez o curso de qualificação profissional de atores da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), também no Rio de Janeiro, cidade onde atualmente reside e trabalha.
Ela nos contou um pouco de sua trajetória profissional em um relato poético e emocionado, enviado por e-mail. Confira abaixo os principais trechos.
“Meu começo de carreira se deu antes mesmo de eu aprender a ler e a escrever, quando eu era muito, mas muito, pequena – eu fazia muitos cursos de manequim, desfiles e comerciais. Depois, já um pouco mais grandinha, comecei a participar ativamente dos eventos culturais do colégio com meu primeiro professor de teatro, o Pedro Ochoa.
Também reunia muitas crianças do prédio para brincar de teatro: eu inventava as peças, dirigia as crianças e também atuava. Esse comportamento chamou a atenção da minha avó paterna, Alice, que mandou minha mãe me colocar em um curso de teatro fora da escola. Foi aí que conheci a Flor Duarte.
Dai (primeira à direita) com o elenco da Cia Trianon e Flor Duarte.
Fiz seu curso de atores por seis anos e fui integrante da Companhia Trianon por sete anos. Durante esse tempo, montamos três peças profissionais: “O gato de botas vermelhas”, de Yoya Wursh (2000); “Aurora da minha vida”, de Naum Alves de Souza (2002) e “O Califa da rua do sabão”, de Arthur Azevedo (2003), todas dirigidas pela Flor Duarte. Todas as peças ficaram em temporada e também viajaram a outras cidades pelo Paraná, participando de festivais e eventos. Montamos também muitos espetáculos de fim de ano do curso, mais as aulas e apresentações de sapateado, porém, quando eu fazia e estudava teatro em Maringá, era muito jovem e por isso não sentia a necessidade de me profissionalizar. Para mim era uma diversão, o esconderijo predileto de menina que sonha, que quer o mundo, mas que, ao mesmo tempo, tem uma vida normal: colégio-amigos-cinema-shopping-televisão-internet.
O tempo foi passando e durante os processos das peças montadas nessa companhia da qual eu fazia parte, a Companhia Trianon, comecei a me questionar a respeito do meu futuro e da minha escolha profissional. Nessa época estava com cerca de 14 para 15 anos e acabei passando por um processo muito interessante de criação, no qual montamos a peça “Aurora da Minha Vida”, do brasileiro Naum Alves de Souza. Ali, naquele processo, decidi que queria, de fato, ser atriz.
Viajamos muito com a peça, participamos de festivais e eu ganhei um prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante em um festival de Paranavaí, sem falar em todos os outros prêmios que a peça ganhou. O processo dessa peça foi muito profundo e hoje, penso que foi um passo determinante na minha vida.
Depois de fazer a escolha, aí sim me deparei com os desafios de desejar me profissionalizar morando em uma cidade do interior. O fato é que eu continuei mais um tempo na companhia e comecei a fazer o curso de Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM), curso este que eu acreditava ser o mais próximo da minha escolha profissional. Cursei dois anos e acabei trancando para vir, finalmente, me profissionalizar no Rio de Janeiro. É importante lembrar que naquela época a UEM ainda não disponibilizava o curso de Artes Cênicas, como hoje, fato que considero ser extremamente relevante no sentido de dar oportunidades para grupos de artistas se formarem, gerando polos de criação e, consequentemente, novas manifestações artísticas e em maior quantidade, bem como sua procura pelo grande público.
Quando vim para o Rio, o papo foi outro. Decidi me profissionalizar primeiro para depois fazer carreira. Comecei o curso na CAL e depois a UNIRIO. Quando eu estava para terminar a UNIRIO, e também já tinha me profissionalizado na CAL, feito alguns trabalhos no teatro, no cinema e algumas participações na televisão, fui convidada para fazer parte da série “Clandestinos”, de João Falcão, na TV Globo. Foi um convite totalmente inesperado – na época, inclusive, dei uma entrevista ao jornal O Diário sobre isso – e também foi um trabalho muito interessante, além de ter soado na época para mim como algo que estava trilhando seu próprio caminho, depois de tantas escolhas, sacrifícios e dedicação ao ofício, os frutos começavam a ser colhidos.
Dai em cena de “Clandestinos”, minissérie de João Falcão.
Ainda na CAL tive o prazer de participar de projetos internos com a proposta de um cunho mais profissional em homenagem aos 25 anos de escola, como a peça “Equus”, dirigida por Hermes Frederico, em 2007. Também tive o privilégio de trabalhar com o Hamilton Vaz Pereira, na minha peça de formatura, “Agora, Aquele Sorriso”, em 2007, no Teatro Solar de Botafogo. Ganhei uma indicação ao Prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Teatro Cidade do Rio de Janeiro com a peça “Torpedos”, em 2011, direção de Alice Steinbruck.
“Vestido de noiva”. Foto: Fábio Nagel.
Em 2012, fiquei em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil com “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues e direção de Caco Coelho. Também fiz a peça “Desejo”, de Alice Steinbruck, inspirada no universo de Tennessee Williams, que ficou em cartaz no Teatro Solar de Botafogo, em 2012.
[Aqui, um parênteses:
tive a oportunidade de assistir a este espetáculo no CCBB do Rio de Janeiro. Vale destacar que foi apresentado em uma super estrutura montada fora do espaço dos teatros, em área de livre circulação, no meio de um dos centros culturais mais importantes daquela cidade. Os espectadores podiam assistir à montagem sentados e até deitados, dentro da estrutura circular. A montagem foi um grande sucesso de público, de modo que os ingressos eram disputados à tapa e eu, que estava de passagem pela Cidade Maravilhosa, consegui por pura sorte e persistência. No elenco estava a atriz global Viviane Pasmanter, num momento em que andava sumida da televisão. Aqui, um vídeo do diretor Caco Coelho falando um pouco sobre a montagem, que estreou no ano do centenário de Nelson Rodrigues. ]
Continua o texto de Dai Fiorati:
Também em 2012 comecei a fazer parte do projeto da peça “Antes que Você Parta pro Teu Baile”, espetáculo construído a partir da obra da poeta Ana Cristina César, dirigido por Dora Bellavinha e Lucas de Casttelo e cuja temporada se encerrou recentemente.
“Antes que você parta pro teu baile”. Foto: Ana Andrade
Em 2013 fiz a peça “Morada dos Ossos”, dirigida por Francis Ivanovich, que teve temporada no Teatro Solar de Botafogo.
Este ano vou estrear um novo espetáculo no dia 18 de julho, “Antiga”, com direção de Charles Asevedo e consultoria de Vera Holtz, escrito pelo dramaturgo contemporâneo Gustavo Damasceno e construído com base em depoimentos de senhoras.”
Sétima arte e televisão
“No cinema atuei em sete curta metragens, dentre eles o curta “Obrigada por me deixar assim”, de 2012, dirigido pelo também maringaense Evandro Machini, que recentemente participou do Festival Taguatinga de Cinema, em Brasília, e foi o vencedor da votação prévia do público para a mostra competitiva, com 1082 votos pela internet.
Tive a oportunidade de, em 2013, ser convidada para fazer a assistência de direção do documentário “As mulheres que eu não fui”, de Clayton Leite.
Gravei entre 2013 e 2014 meu primeiro longa metragem, “O Homem de Escrever”, de Francis Ivanovich, que acabou de ser aplaudido num festival na Colômbia.
Na televisão fiz inúmeras participações em novelas como Malhação, Cheias de Charme e Amor à Vida; uma pequena personagem na série Clandestinos, de João Falcão, na TV Globo; alguns trabalhos na Rede Record e no canal fechado Multishow e inúmeros comerciais gravados ao longo de todos esses anos, tanto em Maringá, quanto no Rio de Janeiro e São Paulo.
Também em 2013, idealizei, produzi e fiz parte do ensaio fotográfico “O Novo Homem”, que uniu em torno de 14 profissionais e aconteceu na praia de Grumari, no Rio de Janeiro.”
Ensaio fotográfico “O novo homem”. Foto: Clayton Leite.
Atual e futuro
“Em breve entrarei em cartaz no teatro, que é, na verdade, meu berço, minha escola primária e para onde eu sempre retorno, ainda com aquele desejo febril de artista.
Pelo cinema nutro uma admiração insana. Nos próximos meses gravarei mais dois curtas e já estou em conversação com o diretor sobre o próximo longa; sem contar nos frutos que têm começado a pipocar em festivais dentro e fora do país com os já realizados.
Minha agenda está fechada até o inicio de agosto desse ano com os espetáculos em cartaz e os filmes a serem rodados, depois pretendo fazer uma viagem para fora do país, estou me organizando para fazer alguns cursos voltados para o acting em cinema, a fim de desbravar a linguagem cinematográfica e adicionar à bagagem de atriz mais esse desafio.”
Próxima estreia. Foto: arquivo pessoal.
Enquanto isso, saudades…
“Meu vínculo com Maringá hoje é extremamente afetivo. Toda a minha família está aí, alguns grandes amigos, amizades de anos, de infância, colégio, faculdade. Gosto de visitar a cidade ao menos duas vezes no ano, acompanhar as escolhas dos amigos, pessoais e profissionais, ficar com minha família, ir a restaurantes preferidos. Recentemente, em uma visita rápida à cidade, vivi uma sensação que anotei, como sempre faço quando sinto esse pequeno vislumbre de poesia, pois me ajuda muito nos momentos de criação e acho que resume bem esse afeto grande pela cidade:
“Saio do avião e já sinto o cheiro dos ares daqui, terra vermelha, plantação e vento gelado. Olho para o céu, a Lua está cheíssima, num espetáculo ambiguamente solitário e coletivo. Sorrio.”
Sinto saudade da simplicidade e da familiaridade. Digo isso com relação não somente a Maringá, que hoje é considerada uma grande cidade no Estado, mas sim às cidadelas em seu entorno. Tenho o privilégio de vir de uma família que lutou e viveu na roça, e acabou me passando a importância das coisas a que chamamos “simples” da vida, como o canto dos passarinhos, o cheiro da terra molhada com a chuva, uma flor que se abre, subir em árvore, pisar com o pé na grama, comer um feijão fresquinho feito por uma tia, tomar banho de mangueira, comer uma fruta tirada do pé, se juntar numa roda de viola com a família quando a noite cai. Essas vivências, essas sensações são as que eu sinto mais falta, pois são as que me faziam sentir acolhida e em contato direto com a natureza e com minha família, meus parentes, meus ancestrais”.
Conselho aos estudantes
“Não sei se seria um conselho, gosto mais da palavra carinho. Se pudesse demonstrar um carinho por cada estudante de teatro de Maringá, seria com uma mão no ombro e essas palavras: vejo o trabalho do ator como um processo ininterrupto, um caminho, uma estrada, uma vida a ser percorrida. E neste percurso ocorrerão diferentes encontros com diferentes personagens, personas, afetos, histórias, textos e energias a serem trazidos a tona, a serem contados, a serem encontrados e que, independente do veículo, serão transformados em poesia por esse mesmíssimo ser humano, o ator, que na verdade, nunca é o mesmo, pois nós, seres humanos, estamos sempre em transformação”.
Cultura em Maringá
“Acredito piamente que a questão atual central para melhorar a vida cultural de Maringá já aconteceu, que foi ser efetivado o curso de Artes Cênicas na UEM. Esse, a meu ver, foi um passo importantíssimo e determinante para que, como disse acima, fervilhem polos de criação e cultura na cidade. Geralmente a graduação é composta por jovens, ao menos em sua maioria, e esse sangue novo circulando, de uns anos para cá, com o peso acadêmico em Maringá é muito renovador. Eu que fiz parte de uma graduação federal e pública em Artes Cênicas, vivi isso na pele. É inevitável, pois é mais forte do que qualquer coisa. O que quero dizer é que, quando se estabelece, se propicia encontros, somando a isso o nível acadêmico, a proteção de uma instituição, no caso a UEM, e os sonhos, a força, a vitalidade dos jovens, é até natural que comecem a se movimentar pelo espaço círculos de ideias, de criações, projetos, espetáculos, eventos, performances, etc. Isso vai se estabelecendo como uma rede e os veteranos desse movimento vão deixando uma cama para os novos, e assim por diante. É claro que toda plantação exige tempo. Para tudo existe tempo, o tempo das coisas. Mas, certamente, a semente já está plantada e germinando, a duras penas, não tenho dúvida – pois fazer arte neste país é travar uma guerra – mas já está, e isso não tem mais volta, enquanto houver aluno, enquanto houver curso, enquanto houver artista e enquanto houver quem procura, seja para fazer, seja para receber”.